Há mais de um ano a pandemia nos obrigou a mudar grande parte das nossas vidas. Compras online, trabalho em home office, ensino remoto. Se, logo no início, muitos acreditaram que a situação seria temporária e que rapidamente voltaríamos ao “velho normal”, a realidade mostrou-se diferente e foi preciso que nos adaptássemos.
No ensino, o desafio do ensino a distância desdobrou-se em várias questões: adaptar o meio para transmitir o conteúdo, criar formas de manter a conexão entre alunos e entre eles e os professores. No ensino de Mindfulness, não foi diferente. Descobrimos que praticar online com os alunos era possível. Mas, muitas pessoas ainda se perguntam se essa prática online traz resultados.
Desafiador, mas possível
“É desafiador, mas é possível. As práticas ajudam muito. A realidade tem gerado sofrimento nos alunos; muitos precisam lidar com a perda de pessoas queridas, todos lidam com a insegurança cotidiana. E as práticas ajudam a reduzir a ansiedade, o estresse e a tensão”, afirma Rodrigo Cajueiro, professor de sociologia que dá aula para adolescentes de 14 a 18 anos. Ele explica que seus alunos relatam relaxamento após a prática, o que, para Rodrigo, é muito positivo.
Segundo o professor, relaxar não significa “desligar de tudo”, mas “desligar-se das coisas nas quais você não deseja se focar naquele momento”. Assim, a atenção fica voltada para o que realmente importa, como a aula que está sendo ministrada na tela. Ele conta que a técnica do escaneamento corporal é a que mais traz resultados em suas aulas, pois permite que os alunos construam relações mais positivas com suas próprias sensações.
Para os pequenos
Se meditar impacta adolescentes, também traz benefícios para os pequenos. É isso que conta a professora Karina Akemi Fujii, que dá aulas para crianças de 3 e 4 anos. “É mais complexo estar no ambiente online, mas eu sempre faço powerpoints com gestos, movimentos e práticas de Mindfulness”, diz. Ela explica que as crianças ficam mais tranquilas quando ela realiza as práticas em aula. “Respirar fundo, fechar os olhos, prestar atenção na respiração. São esses os passos”, afirma Karina. Em sua percepção, a atenção à respiração é a que traz melhores resultados para as crianças pequenas, pois respirar é algo que é natural para elas. “E ajuda muito quando estão agitadas; elas se acalmam”, conta.
Sempre online
Alguns professores, inclusive, nunca tiveram a chance de praticar presencialmente e, mesmo estando sempre online, percebem que a prática de Mindfulness traz grandes benefícios. “Ensinar Mindfulness tem sido uma experiência de muita descoberta e conexão”, diz a professora de inglês e Mindfulness Lilian Fraga Tobias, mesmo tendo ministrado uma única aula presencial para seus alunos antes de a pandemia começar.
Ela usa vídeos e mensagens para consolidar vínculos e melhorar a comunicação dela com os alunos e entre eles. Ela também recebe fotos e vídeos dos alunos praticando em casa, que é muito recompensador e permite a ela perceber que a prática, de fato, faz diferença no cotidiano deles – já que eles praticam espontaneamente.
“Quando exploramos os nossos pontos de ancoragem da atenção (anchor spots), também costumo usar imagens com movimentos (gifs) para aquelas crianças que não se sentem à vontade ao fechar os olhos durante a prática. Desta forma, ao projetar uma bola expansível (hoberman ball) abrindo e fechando lentamente (imitando os movimentos da respiração) ou um vídeo de um personagem atento à própria respiração, essas crianças estão sendo ajudadas na estabilização de seu foco atencional”, explica Lilian, que ainda dá uma dica valiosa: abrir espaço em aula para que os alunos falem, digam como se sentem, refletindo sobre a experiência da meditação.
Escuta
Se falar sobre si mesmo e sobre como se sente é importante, ter uma escuta ativa é igualmente relevante. E foi exatamente esta habilidade que a professora Juliana Veronezi percebeu ficar mais aguçada depois que seus alunos praticam Mindfulness. Juliana fez sua formação na MindKids depois do início da pandemia, e “aprendeu a ensinar” Mindfulness online. Ela relata que seus alunos – que têm entre 9 e 11 anos – percebem que a prática lhes beneficia. “Um deles até me disse uma vez que descobriu ter ‘superpoderes para controlar o cérebro’”, diverte-se.
Ela usa técnicas de respiração e práticas de empatia e compaixão para fazer um trabalho preventivo. “Essa é a idade em que pode começar a surgir um comportamento de bullying, e essas práticas permitem que as crianças falem de suas dores, compartilhem suas ansiedades. E isso faz com que todos fiquem mais atentos para a escuta do outro, além de ficarem mais atentos às aulas”, diz. Juliana percebe que, nas aulas em que não dá espaço para a realização da prática, os alunos ficam mais agitados e ansiosos, interrompendo mais vezes a aula. Por isso, o conteúdo não rende tanto. “Vejo bastante diferença”, conclui.
Atenção ao corpo
Daniela Gutglas é instrutora de Mindfulness e confessa que, no início, ficou ansiosa sobre como seria a prática sem contato presencial. Mas, afirma, atualmente tem certeza de que é possível criar vínculo e conexão com os alunos, mesmo online. “O retorno dos alunos é gratificante”. Segundo ela, o “segredo” é oferecer práticas que tenham relevância na vida cotidiana. Assim, por exemplo, em semana de prova, ela abre espaço para conversar sobre a ansiedade em relação aos resultados.
“As práticas de atenção ao corpo são muito bacanas, porque no ensino online eles tendem a ficar muito tempo parados. As práticas de respiração também são interessantes, porque os alunos podem usar a qualquer momento do dia”, afirma Daniela. A instrutora também ressalta, neste momento pandêmico, a relevância das práticas de gratidão. “Trabalhar a mente no registro do positivo mesmo acolhendo a dor e a dificuldade é muito importante”, diz. “Compartilhar práticas online na pandemia não só é possível como também necessário para um equilíbrio emocional maior”, finaliza.
Se antes podíamos ter dúvidas, hoje não há mais: Mindfulness tem um potencial de trazer benefícios, sendo ensinado tanto no ambiente presencial quanto no online. E o melhor: para crianças e adolescentes de todas as idades!